Tradução
Não observei os pássaros.
Se morresse hoje, iria ignorante
dos pássaros.
Vejo-os à beira-mar.
Costumam estar de costas,
Debicam a areia.
Voam cheias de ondas
as gaivotas.
Gritam.
Perco-me na tradução
do que me parece
brutalidade e guinchos.
Há de haver subtileza
no que não compreendo,
porventura uma hermenêutica
matemática e física que rejeito,
pois as asas
abrem as gaivotas
em naves gigantes
que voam.
Tento a aproximação pela forma.
As aves são mãos
que se intersectam
na quilha.
Escrevem
com o cálamo hirto de tinta
madrepérola.
A transpiração das algas
não as detem.
Voam. Sempre.
Põem-se longe
e fazem-se perto.
Comem de tudo,
até carniça.
Creio que é uma língua
proto-germânica
a que falam.
Mas quando desce o entardecer,
e elas estão curvadas
e de patas assentes
na areia húmida,
com a brisa a desvendar
as plúmulas
como redes de luz,
só lhes vejo a pureza
dos seres brandos.
E tento adivinhar
a razão da fúria e da matemática,
sem legendas.
Abigail Ribeiro
20/02/2023