Onda

      A casa é uma concha mais escavada e mais profunda onde cabem as divisões do mar e ainda a pérola     A onda regurgita na casa Não sei se lava com água salgada ou se suja as paredes de vómito     Não sei – porque a onda é um motim de idas e voltas e de vozes que discutem e contudo o som do mar enche a alma e há a paz acima do barulho --  não sei não sei se cresce ou se deita abaixo     Parece-me o eixo ...

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Tradução

    Não observei os pássaros. Se morresse hoje, iria ignorante dos pássaros. Vejo-os à beira-mar. Costumam estar de costas, Debicam a areia. Voam cheias de ondas as gaivotas. Gritam. Perco-me na tradução do que me parece brutalidade e guinchos. Há de haver subtileza no que não compreendo, porventura uma hermenêutica matemática e física que rejeito, pois as asas abrem as gaivotas em naves gigantes que voam. Tento a aproximação pela forma. As aves são mãos que se intersectam na quilha. Escrevem com o cálamo hirto de tinta madrepérola. A transpiração das algas não as detem. Voam. Sempre. Põem-se longe e fazem-se perto. Comem ...

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A Calma É Um Braço

  A calma é um braço. Há um lago de leite e, ao fundo, o pôr do sol, esvaindo-se em tons de salmão. Esta é a hora. Um dedo toca o oceano brando, e um relevo de círculos concêntricos deixa-se embalar no sussurro da brisa e das águas lentas. Os flamingos da minha imaginação esvoaçam, banham-se, descansam de pé sobre uma pata. O silêncio é o som das aves, da brisa, da água, recapitulado. Um braço humano eleva-se e abre na elegância de um arco. A cabeça reclina-se sobre o ombro nu. O ar ...

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As Ondas

  Continuo ao pé do mar, Os meus olhos no ir e no voltar mas desta vez na expectativa de que o mar viesse molhar viesse molhar-me os pés (eu ali sentada na areia molhada) e de repente fosse (ele) como um cão a lamber as pontas dos dedos e nesse contacto acendesse toda a rede eléctrica da sensibilidade e todo o corpo fosse ressuscitado pela ternura do animal e a seguir passasse a ver-lhe os olhos (sempre os teve e eu não os via, que morta andava). Mas não foi ...

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A passagem dos peixes

  No fundo do mar há um espelho de cabo dourado. Está lá pousado. Os peixes passam, Inexoráveis e encantados, Agitando gelatinas de fada, Nas suas mangas de cetim. São braços e pernas que caminham, Nadando, E fazendo-o, Levantam areias à sua passagem, Penetram túneis de água, Transpondo-se para espaços assombrados E sigmoides de tempo desconhecido, Imergulhado. Cruzeiro Seixas compreendeu-os, Sanguinolentos e antropomórficos, Seccionados e com tripés. Eu sei pouco sobre os peixes, Sobre as suas escamas e respiração, Mas vi o espelho, Mas vi o espelho.   Abigail Ribeiro 14 de março de 2022   Imagem: ...

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Sede

  O mar deixou de fazer a cama (é sempre assim no verão). Passa só os dedos, tira as engelhas (isso basta-lhe) E sorri para dentro (sereno). O verão é uma espécie de entardecer para o mar (engana-se quem pensa ser época de exaltações). Aquela espinha dorsal do sol no espelho das águas É refresco, não arde. No entanto, não deixa de cuspir as algas (com soslaio), De segregá-las (estas rosnam-lhe com o olhar), Lombrigas de cabeças monstruosas, Axilas misteriosas Da maresia. E elas ...

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As Rochas

  As rochas que vi hoje São dentes da terra Ossadas de dinossauro Entregues à neblina e ao salitre Devoradas por monstros que têm Hálito a algas E têmporas gélidas de nevoeiro. Ficam, ali, eternas, Inertes, caladas, A sustentar poças de águas paradas, Com crustáceos pateticamente mortos, de patas viradas, Oceanos inteiros Musgos e lapas. Tanta vida por entre as rochas que vi hoje. Gaivotas e pombas Cães perdidos Até amantes. Que mistério em tanto silêncio que suportam As rochas.   Abigail Ribeiro 27 de julho de 2020  

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