As Ondas
Continuo ao pé do mar,
Os meus olhos no ir e no voltar
mas
desta vez
na expectativa de que o mar
viesse molhar
viesse molhar-me
os pés
(eu ali sentada
na areia molhada)
e de repente
fosse (ele)
como um cão
a lamber as pontas dos dedos
e nesse contacto
acendesse toda a rede eléctrica
da sensibilidade
e todo o corpo fosse ressuscitado
pela ternura do animal
e a seguir passasse a ver-lhe os olhos
(sempre os teve e eu não os via,
que morta andava).
Mas não foi assim.
Só senti os ossos
gélidos da água invertebrada,
nada de cão,
nada de comoção,
daquela que emana das pessoas
que se comovem com os seus animais.
E foi depois,
quando me deitei na toalha,
no areal de que não esperava nada,
que recebi trinta e oito graus
e o sono
das pequenas ondas.
Abigail Ribeiro
2 de agosto de 2022
Imagem: quadro de José Pancetti