A Natureza do Vento
Naquele ano levantou-se um vento
diferente dos outros ventos.
Como, de outra forma, se explica
Os estores esvoaçantes,
As suas barras metálicas a bater, insistentes, nas paredes,
As janelas escancaradas no Centro de Saúde,
Os corredores de vento no emprego?
O vento invadia todos os espaços.
Vinha de fora e tomava com dedos de espectro
Todos os prédios e as casas outrora impenetráveis.
Só os quintais e as quintas não estranharam.
Os seus habitantes já caminhavam com a queimadura do vento na cara
E os seus narizes já eram peregrinados por estradas
De ar, pólen e pó.
Não admira, pois, que, naquele ano,
o vento tenha partido os meus colares.
Quebrava-lhes as correntes de metal, valioso ou vil,
Na fragilidade dos seus pescoços e articulações.
Sucessivamente, todos,
Desembaraçando-me para ir e apanhar mais vento,
Correr e comer o vento, sim com a boca,
enquanto os passos comiam o caminho.
Ao lado o mar, à frente um caminho,
E atrás uma coluna de nuvem.
Abigail Ribeiro
5 de junho de 2021