A Raiva Tem Dentes De Cão Pequeno
A raiva tem dentes de cão pequeno.
Sempre demasiados,
Demasiadamente agudos,
Longilíneos como pincéis.
Contidos (sempre)
num espaço (que é) ínfimo.
E extravasada, ainda assim,
o ar é uma bochecha.
A raiva, contida sempre,
miudinha, proibida,
invade de dentro para fora,
prestes (dentro da boca)
a perfurar um vaso tenso
e a lançar-se, líquida,
em bossas.
O lábio inferior, trémulo,
sanguíneo.
Os salpicos de cuspo
profetizando vómito
(tragam toalhas).
Irrompe como um relâmpago,
desirmanada do corpo
que dança
aos solavancos automáticos
de uma convulsão febril.
E fura, mas sempre os dentes,
demasiado pequenos
num cão demasiado pequeno
que ladra como se julgasse
não ser ouvido.
A repetição da trela, tensa
e vertical,
colhendo no pescoço
os esticões de violência
e a sombra do dono.
Abigail Ribeiro
25 de Novembro de 2022
Imagem: «Dog», Samantha Barnes